domingo, 23 de março de 2008

Trabalho doméstico não é coisa de criança

Cozinhar, lavar e passar roupa, varrer a casa, enfim, é assim que uma faxineira, diarista ou mesmo uma dona-de-casa enfrentam o dia-a-dia: desempenhando tarefas que visam manter o ambiente doméstico limpo e organizado. Tarefas estas que, por mais que pareçam simples, ao serem designadas a uma criança, podem ser consideradas como uma ocupação inviável e contra a lei.

Não é de hoje que existe trabalho infantil doméstico. Desde o tempo da escravidão, já era considerada apta ao trabalho toda criança que completasse 12 anos de idade. Mesmo com a abolição, os meninos eram levados por fazendeiros e artesãos para prestarem serviços. Já as meninas serviam, na maioria, como empregadas domésticas, e, em muitos casos, sem qualquer remuneração.

O trabalho infantil doméstico sempre foi considerado como algo habitual. As crianças de classes mais baixas deveriam ajudar os pais nos afazeres domésticos. Ainda há uma expectativa de compensação ou ajuda econômica por parte dos filhos, que muitas vezes não sabem distinguir tarefas básicas de uma casa e afazeres obrigatórios a serem desempenhados por adultos. Sobreposto a tudo isso, há um aspecto cultural que, mesmo nos dias de hoje, valoriza o trabalho infantil como forma de educar a criança para a vida profissional a fim de obter responsabilidades e afastá-la da desocupação e da criminalidade.

Dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) apontam que, aproximadamente, uma em cada 10 crianças entre 10 e 14 anos trabalha no Brasil. Um índice que nos coloca entre os três países que mais consente o trabalho infantil na América Latina.

Em casas de terceiros, ou mesmo em suas próprias casas, a criança ou adolescente submetido ao trabalho corre diversos riscos que podem não parecer graves, mas que com o passar do tempo afetam não somente o presente, mas o futuro desses jovens. Esse gênero de trabalho contribui menos para a experiência dos jovens que as outras formas de fixação no mercado de trabalho. Por se realizar no domínio residencial, onde não é possível uma fiscalização ordenada, ele exibe o trabalhador a uma série de injustiças, desde a baixa ou nenhuma remuneração, até as mais críticas, que envolvem abusos sexuais e atos de violência.

- Longas jornadas de trabalho, contato com substâncias perigosas e insalubres acarretam em acidentes que, além de prejudicar o exercício de convivência familiar, afetam a liberdade de locomoção e do desenvolvimento dos estudos desses jovens - explica a Procuradora do Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil, Liane Vaz Daniel.

A Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001 mostra que o trabalho infanto-juvenil doméstico é realizado, geralmente, por meninas pobres (93%) e de raça negra (61%). É um tipo de atividade socialmente aceita por maquiar a inclusão das crianças no mercado em um espaço “do lar” considerado mais digno. Além disso, qualifica para as tarefas domésticas e lhes dá chance de “melhorar de vida”, ou de simplesmente obter autonomia financeira.

A Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) relata que em nosso país existem cerca de 490 mil trabalhadores com idade entre cinco e 16 anos e que quase metade desses jovens nasceram em famílias com renda inferior a um salário mínimo. Segundo pesquisas do IBGE, de 1999, cerca de 30% são de famílias cujos pais não possuem nenhum ano de escolaridade. Portanto, a falta de educação e a baixa renda dos pais é fator proeminente na disposição do indivíduo iniciar, prematuramente, sua admissão no mercado de trabalho.

Tais fatores fazem a sociedade e o governo se motivarem a combater o trabalho infantil no Brasil, não somente o doméstico, mas também as outras formas, como o trabalho rural, o urbano, o tráfico e a prostituição infantil. Para tentar resolver esse problema, foi criado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), que apóia crianças envolvidas nas mais degradantes formas de trabalho infantil. Além de passarem a freqüentar a chamada Jornada Ampliada, as crianças de 6 a 15 anos recebem ajuda mensal quando a renda per capita da família não ultrapassa meio salário mínimo. Com o apoio dessa bolsa, o jovem recebe R$ 25 nas zonas rurais e R$ 40 nos centros urbanos. O melhor de tudo é que o programa determina que a criança esteja na escola para receber o apoio do governo.

O PETI ajuda a eliminar o trabalho infantil de forma que inúmeras famílias mandem suas crianças e adolescentes para a escola e não ao trabalho. O apoio econômico tem como principal objetivo garantir a subsistência da família e fazer com que os pais e mesmo os filhos desistam da renda patrocinada pela exploração de menores.

Muitos são os exemplos de jovens como estes que recebem a bolsa do PETI, como a menina Gisele Maria Pereira, 13 anos, da sétima série. Ela freqüenta as atividades do Centro Educacional Dom Jayme Câmara, em Palhoça, e manifesta, com ingênua sinceridade, que lava a louça, passa roupa e limpa toda a casa sozinha e não se sente explorada, pelo contrário, acha sua lida em casa natural. “Se não estivesse aqui, estaria em casa ajudando a minha mãe”, admite Gisele.

Ela está no Dom Jayme desde os seis anos de idade. Quando completou 12 anos, começou a freqüentar diariamente o Programa Adolescente Consciente (Proac). O Proac é a segunda fase da Jornada Ampliada, que dá aulas de reforço de português e matemática, e inclui os jovens em esportes e pré-oficinas - confeitaria, pintura, biscuit, bordado, macramê, artes em conchas – além, claro, de freqüentarem a escola.

Carmine Cruz

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