sábado, 23 de fevereiro de 2008

Trabalho atropela infância nas ruas da cidade

“Eu cato papelão. Esse é o meu ganha pão.
Pode acreditar, não sou ladrão.
Cato no lixo, no final do comício,
na porta do barraco e na porta do edifício”
Mauricião Afroage


Ele tem onze anos e vende picolé nas ruas de Palhoça. Todo o dinheiro que recebe gasta com os amigos em festas. Sua avó, ao descobrir o que ele faz, resolveu pedir ajuda ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Ela não quer o dinheiro que o programa oferece. O que quer mesmo é ajudar o seu neto.

O cenário do trabalhador infantil tornou-se corriqueiro nas ruas das grandes cidades. Nas sinaleiras, nos lixões, nas esquinas. De manhã cedo ou em altas horas da madrugada, em locais expostos a todo tipo de risco, como rodoviárias, viadutos, praças, ruas escuras, existem crianças trabalhando como engraxates, catadoras de papelão, vendedoras de balas, cocada, figurinhas, caneta. São também guardadoras de carro, engraxates, limpa-vidros, carregadores de malas, entre outras ocupações que os roubam da escola, da vida em família e da infância.

Cerca de 246 milhões de crianças trabalham no mundo. Das 37,8 mil crianças brasileiras de 5 a 15 anos, 2,7 mil trabalham. São 445mil na Região Sul e 104 mil somente em Santa Catarina, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

A exposição precoce da criança ao trabalho pode acarretar conseqüências na estrutura física, na pele, nos ossos, no organismo como um todo. Origina problemas tanto de ordem mental e intelectual para a formação geral do indivíduo, segundo Liane Maria Vaz Daniel, representante do Fórum Estadual do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho de Santa Catarina. O fórum tem o objetivo de esclarecer e conscientizar a sociedade a respeito dos direitos da criança e do adolescente.

- Já passamos da fase de dizer que isso é um problema do governo. Não, isso é um problema nosso e não podemos compactuar com esse tipo de situação - avalia Liane.

O caso do menino que vende picolé foi acompanhado por Valmor da Silva Junior, em 15 dias de trabalho pelo PETI, que funciona no espaço da Centro Educacional Dom Jayme de Barros Câmara, no município de Palhoça. Valmor é funcionário da prefeitura e trabalha como assistente social do programa há pouco tempo.

- Trabalhamos com crianças de três a 16 anos que são geralmente encaminhadas pelo Conselho Tutelar. No PETI exigimos uma série de documentações que comprovem o trabalho infantil. Para entrar no programa e receber a bolsa elas precisam estar matriculadas no colégio e alcançar 85% de freqüência. O valor é de R$ 40 para quem foi retirado do trabalho infantil na área urbana e R$ 25 da área rural - diz.


Valmor, ex-aluno, hoje trabalha no Dom Jayme

Cerca de 260 crianças e adolescentes são atendidas Programa Jornada Ampliada, que faz parte do Peti. Na Jornada Ampliada participam de várias atividades pedagógicas, esportivas, recreativas e culturais durante o período oposto ao da escola, conforme explica a coordenadora do Dom Jayme, Samira Savi Pini.

“Eu trabalhava porque gostava”, diz Daniel Ribeiro Nascimento, 12 anos. O menino, que gosta de jogar futebol, é fã do jogador Ronaldo, mas ainda não sabe a profissão que deseja seguir. Como muitos outros colegas, Daniel já fez vários trabalhos informais. No último guardava carros nas ruas. Ganhava de R$ 5 a R$ 10 por dia. O expediente começava às 8 horas da manhã e ia até as cinco da tarde. As professoras Gisele da Silva e Maria Goretti Lacerda Nascimento, que o acompanham, dizem que Daniel ainda não parou de trabalhar na rua. Consideram o caso desafiador porque a família não vê a gravidade da situação.

Cézar Augusto Fernandes, 13 anos, também trabalha na rua, vendendo salgadinhos. Começou com 10 anos de idade. Já catou lixo, vendeu amendoim, trabalhou ajudando a operar máquinas industriais, entre outras atividades. E também não vê problema no ingresso precoce nesse mundo adulto.

- Minha mãe nunca me obrigou a trabalhar. Minha tia faz as coxinhas e eu vendo porque quero - argumenta o garoto.

Para o Ministério do Trabalho e Emprego, a exigência feita para uma criança no trabalho é a mesma que para um adulto. Isso pode causar graves danos na formação do indivíduo gerando uma quebra nos valores de responsabilidade e maturidade. Além de a criança sofrer seqüelas físicas, como dores no corpo, dores de cabeça ou sofrer algum tipo de lesão, há também implicações mentais, como a falta de perspectiva futura, que é considerada a principal conseqüência.

Para a felicidade da avó, o ingresso do menino que vendia picolés no PETI já apresenta resultados positivos. Afastado das ruas, ele desenvolve todas as atividades que o programa oferece. É um exemplo que incentiva as pessoas a denunciarem e encaminharem situações de trabalho infantil e a se tornarem co-responsáveis pela melhoria da vida de milhares de crianças que têm sua infância e sua integridade ameaçadas no asfalto das cidades.

Tainá Freitas Smaczilo

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