quarta-feira, 4 de junho de 2008

Cultura da Paz na formação das crianças


Maria Eduarda Bueno, seis anos, mora com os avós paternos e o que mais gosta de fazer é brincar. Quando questionada sobre qual o seu maior sonho ela responde: "Não quero casar, quero dançar, trabalhar e também estudar para ser igual a elas". Ela se refere às tias, irmãs da avó paterna que trabalham, estudam e são solteiras. A pequena Maria Eduarda não quer saber de casamento. A avó acredita que esse sentimento de rejeição ao matrimônio se explique pelo fato de presenciar as agressões físicas e verbais do pai contra a mãe.


Numa sociedade já violenta, os pais que deveriam dar exemplo, acabam formando as crianças em situação de conflito. Além do convívio com pais estressados e violentos, que pouco acompanham a vida escolar, professores mal-qualificados e escolas sem infra-estrutura podem se refletir no comportamento da criança em fase de formação. Contra esse ambiente hostil "é preciso instituir uma cultura de paz", adverte a cientista social, especialista em educação, Beatriz de Basto Teixeira. A escola, segundo ela, deve ir além do conhecimento formal das disciplinas. "A educação que a família dá nos primeiros anos é essencial, mas a escola pode e deve ser um instrumento para difundir a mentalidade de recriminação da violência como meio de resolver conflitos".


Apesar de todo o apelo para mudar a cara da educação tanto no Brasil como no mundo, um estudo da Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO) afirma: "A educação não serve apenas para fornecer pessoas qualificadas ao mundo da economia: não se destina ao ser humano enquanto agente econômico, mas enquanto fim último do desenvolvimento". Se por um lado a educação é tida como aparato para o mercado de trabalho, a cultura de paz é a consciência permanente da não-violência e prepara o pequeno cidadão para a rejeição do comportamento embasado no preconceito e na intolerância. "Fazer educação é despertar o sujeito que está em cada ser, é fazer com que cada pessoa, aluno, professor ou ser humano busque a si mesmo, tome consciência de si e dos seus e interaja construtivamente. Aprenda a construir-se como pessoa por meio das relações construtivas com os outros e com seus ambientes", afirma o diretor da Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação, Antonio Pazeto, ele próprio um pacifista na missão de reestruturação da Educação no Timor Leste, realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU).


A violência, porém, não escolhe classe social. Não é difícil ver um jovem de classe média alta com o rosto estampado nas páginas polícias dos jornais, televisões e revistas. Todos os conteúdos didáticos instituídos pelas escolas públicas ou privadas são modelos ultrapassados e ainda não atinaram para a construção de uma geração de pensantes comprometidos com o respeito, a ética, a solidariedade e a tolerância. Os modelos de educação não atendem mais às necessidades de prevenção e recuperação dos jovens e adolescentes na faixa em que eles estão totalmente vulneráveis e despre­parados. Para a cientista social, Beatriz Basto Teixeira, houve um desinves­timento da educação no Brasil. "Para haver um resultado eficaz, ele deve ser alto e constante", afirma Beatriz.


A cultura de paz, por vezes pode parecer utópica, mas se cada um fizer a sua parte começando por seu ambiente familiar pode-se sonhar com um mundo de tolerância. "A escola é o meio entre a criança e o universo; é ali que ela vai se preparar para o futuro. Porém, valores não são discutidos em sala de aula, e é esse o meu papel como mãe: ensinar ao meu filho aquilo que aprendi com meus pais, a não roubar, não ofender as pessoas", comenta a dona de casa Erica de Lurdes, mãe de Eduardo de oito anos.


"Cultura de paz é a compreensão de si e a busca do que está no outro. É orientado por essas concepções, princípios e, sobretudo, por essa ética que busco penso estar criando em meu trabalho condições para a cultura de paz", define Antonio Pazeto.


Viviane Ferreira


A escola do século XXI

Ativa, esperta, aos oito anos Júlia Gabriela é uma criança que tem resposta para tudo, exceto para a questão que mais aflige sua mãe, que já tirou a filha do ensino público e colocou no privado: não consegue copiar toda a lição do quadro negro. Muitos pais perseguem a explicação para essa dificuldade, que parece estar na precariedade do sistema educacional, que não consegue acompanhar as mudanças em processo na sociedade.


A instituição escolar vive um período de instabilidade muito acentuado no início deste século. O avanço tecnológico, o surgimento de novas profissões e as transformações da sociedade estão provocando mudanças que vão alterar a formação da criança do século XXI. Assim, a instituição escola está sendo repensada como analisa o doutor em educação, Juares Thiesen. “Um modelo antigo de escola está morrendo e um novo ainda está nascendo. A instituição escolar vive um momento de transição”.

A escola é uma das instituições mais antigas do mundo, extremamente conservadora e a instituição que menos muda na história. O modelo atual de escola foi estruturado na Idade Média, e desde que surgiu serve para moldar as pessoas, pois transmite valores e princípios da sociedade.

Foi na virada do século passado que as regras, até então imutáveis da escola começaram a ser questionadas. Durante o século XX muitos pensadores questionaram o que estava posto entre eles Jean Piaget, Lev Vygotsky e Paulo Freire. A partir desses pensadores o ensino-aprendizagem, o currículo, a forma de avaliação, a estrutura escolar, dentre outras questões entraram na pauta das discussões pedagógicas.

Uma das principais mudanças que ocorreram foi a revisão do conceito de criança. Antes a criança era vista como um “projeto de gente”, um ser humano em desenvolvimento e moldado conforme a educação que recebia na escola. Hoje esse conceito caiu; a criança do século XXI é considerada um sujeito de direito e um sujeito por inteiro, racional e que pode tomar decisões. Essa mudança foi declarada na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989.

A realidade hoje vivida pela maioria das escolas, tanto públicas como privadas é diferente da tão pensada escola do século XXI. A Dra. em Educação: História, Política, Sociedade Maria Helena Michels aponta alguns dos problemas enfrentados pela instituição escola, dentre eles, o descompromisso do Governo Federal com o financiamento da educação e a formação do professor. Para Maria Helena há um descompasso nos valores passados para a criança. A função da família é dar uma educação de base, os valores morais e não formar conhecimento, contudo, a própria família não consegue mais transmitir os valores deixando essa função para a escola. A escola não consegue fazer o papel da família e exerce o seu com dificuldades.

O mundo contemporâneo é cada vez mais complexo e exige das pessoas constantes atualizações de conhecimentos. Nesse sentido, o currículo escolar precisa estar em sintonia com a sociedade em vez de esperar que ela mude para se atualizar. O aluno passa a ser o principal responsável pela aquisição de novos conhecimentos e não mais o professor. Cabe ao professor orientar, guiar e facilitar o ensino-aprendizagem, ser um parceiro do aluno na busca e na interpretação crítica da informação. O professor tem que estar em formação continuada para poder exercer o seu papel.

A escola, na Idade Média não foi projetada para as diferentes faixas etárias. Pode ainda ser atraente para a coletividade, vivência em grupo, mas não mais para a sala. A estudante do ensino médio, Estéfany Pereira, é um exemplo. Ela sente motivação para ir a escola, encontrar a galera e colocar o papo em dia, porém, não gosta de estar em sala de aula e ouvir os professores. Estéfany prefere ficar em casa na frente do computador a estar atrás de uma mesa escolar.

Vera Labes e Iris Weiduschat propuseram algumas condições fundamentais para a vida dos discentes no artigo intitulado “Repensar a escola: por mudanças pedagógicas humanizadoras na escola do século XXI”, escrito em 2004, como a valorização do indivíduo na coletividade em que vive e incentivo à autonomia, à criatividade, à solidariedade, ao respeito, à iniciativa, à participação e à cooperação. Essas condições oferecem ao aluno princípios para uma aprendizagem mais ampla dos conhecimentos desenvolvidos pelos professores e adquiridos em diversos meios.

A globalização está provocando uma mudança radical na organização dos espaços físicos das escolas, como Thiesen pontua a desterritorialização da escola, que torna qualquer espaço propício para a aprendizagem e troca de informação e multipolarização dos espaços. A educação a distância é o maior exemplo de desterritorialização da escola. Como descreve o especialista em projetos inovadores na educação presencial e a distância, José Manuel Moran, trata-se de um processo de ensino-aprendizagem mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente.

Pensadores da escola do século XXI propõem que a instituição escolar tem que enxergar o futuro, ser mais democrática, mais comprometida com a sociedade, ouvir as pessoas, pais e alunos, estar mais aberta à comunidade. Tem que integrar os conteúdos escolares à ciência e à tecnologia e manter os alunos envolvidos de forma consciente e participativa com o próprio processo de aprendizagem para torná-los cidadãos críticos.


A escola do futuro

Um bom exemplo de escola para o século XXI é a Escola do Futuro, desenvolvida pela Universidade de São Paulo e apontada pela ONU como um centro de referência educacional. A Escola do Futuro é um laboratório de pesquisa interdisciplinar da USP empenhado em desenvolver estratégias educacionais para preparar as futuras gerações com capacitações e conhecimentos apropriados às realidades tecnológicas e sócio-econômicas globais.

A Escola do Futuro promove atividades de ensino e aprendizagem presencial e à distância, através do uso de novas tecnologias de informação, novos métodos e materiais didáticos. Promove também o intercâmbio de idéias e experiências entre educadores e instituições educacionais. As iniciativas da Escola do Futuro têm como objetivo aperfeiçoar a educação ao ponto de alavancar o Brasil para um novo patamar de justiça social e oportunidades para o exercício pleno da cidadania.

Foi pensando na escola como um ambiente especialmente criado para a aprendizagem, rico em recursos, que possibilite ao aluno a construção do seu conhecimento seguindo o seu estilo individual de aprendizagem, e onde o professor passa a atuar como um guia, um mediador, que a Escola do Futuro projetou a Sala de Aula do Futuro.

Concebida dentro dos mais avançados conceitos de ergonomia e comunicação visual, a sala permite aos profissionais da educação vivenciar esse novo mundo tecnológico, com proveito de uma variedade de experiências intelectuais, motoras, sensoriais e afetivas.


Um modelo inovador

Imagine uma escola sem séries, ciclos, anos, turmas, testes e aulas. Pode parecer muito fora dos padrões conhecidos, mas esse modelo de escola existe há pelo menos duas décadas. A Escola da Ponte é uma escola pública de Portugal que tem um projeto educativo inovador, baseado na autonomia dos estudantes.

Cada estudante define suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa em grupo e individuais. Os alunos procuram os espaços educativos, lugares onde encontram pessoas e ferramentas disponíveis, para trabalhar e compartilhar seus conhecimentos dentro das diversas áreas de estudo, como a humanística por exemplo.

Como todo modelo inovador, a Escola da Ponte enfrenta grande resistência dentro de alguns setores do governo português e da comunidade. Porém, conta com o apoio dos pais que discutem com freqüência o modelo adotado pela escola para a educação dos filhos. A escola é baseada em três valores principais: a liberdade, a responsabilidade e a solidariedade.

Apesar de ter um sistema de ensino diferenciado a Escola da Ponte ainda possui espaços arquitetônicos tradicionais. Entretanto já existe um projeto, elaborado por 12 arquitetos ex-alunos, com outro conceito de espaço. O projeto inclui um centro da descoberta, onde o saber será compartilhado, pequenos nichos hexagonais, destinados aos pequenos grupos e às tarefas individuais, amplas avenidas, alguns cursos d’água, além de um lugar para cochilar. E as novas tecnologias da informação deverão estar espalhadas por todos os lados.



Leocádia Faria

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Infância para Crianças

Religião, sexualidade, comunicação,
tecnologia e inclusão. Comum a esses temas?

A infância, aqui tratada como protagonista dessa relação



Criança-Objeto: uma herança histórica

O futuro nunca esteve tão presente na pauta do dia. Mudanças climáticas, avanços tecnológicos, mudanças nas relações afetivas, a infância... A infância? Como sempre a infância é debatida como o futuro dos povos, o amanhã da humanidade. Discutir sobre as crianças sem aquela nostalgia que temos do passado e muito menos discuti-las como responsáveis pelo futuro parece ser ainda um grande desafio. Esse desafio foi proposto e aceito pelos alunos do Projeto Experimental Impresso do primeiro semestre de 2008, na elaboração do primeiro jornal-laboratório Fato & Versão deste ano, dedicado aos desafios e perspectivas da infância no terceiro milênio.


O primeiro passo foi promover um debate sobre os impactos das mudanças sociais sobre a infância, com destaque para a tecnologia, a violência e a sexualidade na infância. Participaram os professores Jaci Rocha, teólogo e antropólogo; Luciano Bitencourt, jornalista e coordenador do Curso de Comunicação; a professora Marci Filete Martins, lingüista e professora de Mestrado em Ciências da Linguagem e a fonoaudióloga do Hospital Universitário Luciana Zerbini, todos docentes da Unisul. O interesse em tratar a infância, ou como nostálgico passado ou como amedrontante futuro, segundo o professor Jaci é resultado de milhares de anos de uma educação que menospreza as crianças.


Em Esparta e na Grécia antiga, as crianças eram criadas como objetos. Eram criadas para tornarem-se guerreiros, mas sem relação de afetividade nenhuma com seus país. Ainda antes, pelos códigos de Amurab crianças e animais tinham a mesma valia. Eram vendáveis e não sujeitos. Segundo o professor Jaci, que cita o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, essa relação criança-objeto só iria mudar quando Abraão disse aos deuses que ofereceria seu filho único e foi até o monte pra sacrificá-lo. E o Deus de Abraão, pela primeira vez na história do Mediterrâneo, rejeitou o sacrifício humano de uma criança que também era o filho primogênito. “Todo o Mediterrâneo transformou a criança em um objeto de sacrifício para os deuses. E o Kierkegaard diz que quando fez acontecer esse impacto no mundo mediterrâneo Abraão deu um salto qualitativo no respeito pela criança como sujeito histórico”, valoriza Jaci.


Essa relação opressiva ainda perdurou durante muito tempo. Mudanças mais importantes só ocorreriam no final da Segunda Guerra Mundial com a criação dos Direitos Humanos que, ainda assim, não tratavam a criança como protagonista desses direitos. Embora a psicologia de Freud já tratasse a criança como sujeito e não mais como objeto, somente em 1959 foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos da Infância. “Isso depois de muita luta, até com a Igreja Católica, segundo quem o indivíduo só se tornaria sujeito após o desenvolvimento da razão, ou seja, após os sete anos”, enfatiza Jaci.


No Brasil, a luta pelas crianças começou na década de 70, ainda não com o enfoque do protagonismo, mas na esteira de organizações que tratavam dos direitos dos excluídos. “Em 87, fui testemunha da vinda de dois ônibus que vinham do Rio Grande (RS), com destino a Brasília. Eles foram para a Assembléia Nacional Constituinte transportando representantes de meninos e meninas de rua e dos morros do sul do Brasil. Mais de 700 líderes de organizações foram votar na Constituinte para criar o Estatuto da Criança e do Adolescente”, relembra Jaci. Ele afirma ainda que essas atitudes é que deram o direito à criança de existir como sujeito. Não é muito difícil fazer essas movimentações. A repercussão desses movimentos só aparece na mídia por imposição, nunca por vontade própria dos “produtores de mídia”, conclui.



Tecnologia e Informação: Ferramentas do saber


A quantidade de informações que as crianças de hoje recebem todos os dias, são muito maiores do que em gerações anteriores. Isso, indiscutivelmente se deve ao avanço tecnológico que evolui a todo o momento. Porém professor Luciano Bitencourt alerta, que as tecnologias não mudam a todo o momento. Na verdade, são feitas apenas inovações como o aumento da velocidade, capacidade de armazenamento etc. Mudanças tecnológicas efetivas foram a criação do livro, do rádio, que foram mudanças contemporâneas em suas épocas. Hoje á existe uma pré-disposição à mudanças. Hoje qualquer nova tecnologia, por mais difícil que seja dominá-la, você entrega na mão de uma criança e ela saberá como funciona. Isso por que ela já está inserida nesse meio, de tecnologias que aparecem a todo o momento. “Então de um lado existem m mundo de informações que se atualizam a todo o momento e do outro lado um outro mundo repleto de meios (equipamentos) que se modernizam a todo o instante. E no meio disso a criança, que já está suscetível à mudanças”, acrescenta Luciano.


A relações e definições de tempo, lugar e espaço, segundo Luciano, já não têm mais como serem discutidas e analisadas de forma superficial. Tempo é um termo que perdeu sua importância, no sentido que as informações e tecnologias estão em constante mutação. Então o tempo só serve como definição da hora em que o evento ocorreu, mas, a informação estará disponível a qualquer momento e de forma segmentada. O mundo virtual fez com que as discussões envolvendo a definição de lugar sejam novamente revistas. O “mundo virtual”, é um paralelo do mundo real. O lugar que você ocupa na vida real pode ser diferente do ocupado no mundo virtual. O mesmo acontece com relação ao espaço. Hoje, as mudanças que ocorrem a todo instante fizeram com que a definição de espaço como propriedade esteja sumindo. Os espaços também estão tomando formas diferentes e com ele as pessoas convivem sempre com coisas passageiras temporárias . Então como discutir o lugar da infância em meio a tantas mudanças? “A infância te um espaço na mídia e os produtores de informações tem que discuti-la sem esses esteriótipos atuais. Dizer que vivemos no mundo melhor por que as coisas estão muito mais fáceis e disponíveis talvez não seja a forma mas correta de encarar essa questão”, afirma.



Sexo e Violência: A formação dos Sentidos


Em comparação a 50 anos atrás, hoje as crianças já têm muitos direitos conquistados. Porém, discute-se muito sobre o que será do futuro com a infância de hoje, que já mudaram as estruturas familiares, a escola perdeu credibilidade e a sexualidade é banalizada todos os dias na TV. Mais uma vez voltamos à responsabilidade do que produzimos para os adultos de amanhã. É essa análise que a professora Marci Fileti Martins faz da produção televisiva de hoje.


Analisando as produções realizadas no Brasil e nos Estados Unidos, Marci argumenta que os cenários por elas construídos formam a visão que as crianças terão dos indivíduos. As produções norte-americanas, recheadas de violência, sangue, armas e lutas contra o mal, servem para garantir a manutenção das idéias políticas, econômicas e ideológicas daquele país. “Assim, todo sujeito, todo cidadão norte-americano é potencialmente um soldado. Um guerreiro que precisa combater o mal que vem de fora, pois qualquer sujeito pode ser um inimigo, um criminoso, o bad guy!”, exemplifica Marci.


Já no Brasil, a imagem que precisamos manter passa bem longe dessa visão belicista norte-americana. A imagem que queremos passar é de um país sem pudores sexuais. Essa imagem de mulher-objeto estereotipada pela mídia brasileira, segundo Marci, serve para camuflar aspectos sociais negativos como a desigualdade econômica do país. “Desigualdade responsável pela violência e que podemos encontrar nos centros urbanos. De fato, a taxa de homicídios no Brasil, em 2007, foi de 27 mortes por 100 mil habitantes, contra 8 por 100 mil habitantes nos EUA, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Somos muito mais violentos que os norte-americanos. Assim poderíamos afirmar que a exploração do sexo nas novelas muito mais do que apresentar a identidade do país ‘caliente’, em que todos fazemos sexo sem traumas, sem depressão, seria mais um modo de nos afastarmos de um certo compromisso da sociedade da qual fazemos parte, relegando a violência e as tensões sociais à invisibilidade”, afirma.


As posições sociais e a imagem que formamos dos sujeitos são resultados do que vimos na infância. A for­ma­­ção de sentido junto com o processo histórico de coisificação da mulher e da bana­li­zação do sexo tornam esses pensa­mentos óbvios e naturais. Os valores, segun­do Marci, já estão prontos para serem assu­midos, e é o que as crianças fazem assim que começam a ver televisão. “Então as crianças, como sujeitos que são, ao serem interpeladas, ao começarem a ver TV, já vão produzir sentidos sobre violência, sexualidade e gênero a partir desses lugares prontos e óbvios.



Linguagem e Comunicação


Em contraponto, existem crianças que, apesar de terem acessos às tecnologias sofrem problemas por não conseguirem se comunicar da forma mais convencional, através da voz. A fonoaudióloga, Luciana Zerbini diz que essa crianças não conseguem se comunicar por que não são todas as pessoas que entendem a linguagem de sinais. “É importante que a criança seja adaptada o mais cedo possível para que ela passe a utilizar a comunicação oral e não a gestual.


Essa é a melhor forma de incluir essas pessoas na sociedade. Se a criança começar a ser tratada muito tarde aquele tempo que perdeu nos primeiro anos de vida vão atrasar o seu desenvolvimento. Ela terá que começar do zero, como um bebe”, justifica Luciana. Mas ela alerta ainda que a percepção dessas crianças é normal e ás vezes até mais aguçada do que o de uma criança normal. Elas, apesar de não ouvirem, sabem exatamente o que acontece à sua volta.A infância sempre teve seus medos e perspectivas. Hoje ao mesmo tempo que as tecnologias ampliam o conteúdo e a cultura das crianças também causam problemas como a diminuição das relações físicas dando para os adultos a sensação de que esse mundo está perdido e não há mais o que se possa fazer. Discutir a infância, do ponto de vista do que está sendo produzido para as crianças, é algo fundamental para que possamos entendê-las e torná-las pessoas melhores.


Miguel Jr.




Doses de Risco



Qual é a dose certa de mostrar
a violência como parte da sociedade
e como ela é apresentada?


O filme de desenho animado "Madagascar", da DreamWorks Animation SDK, gerou uma forte polêmica na época de seu lançamento em Santa Catarina. Na metade de 2005 as salas de cinema de Joinville foram proibidas de permitir a entrada de menores de 18 anos nas sessões de estréia do desenho. Durante a trama, variados animais dançavam ao som de uma música eletrônica e tinham uma vegetação densa como palco de uma festa. Em meio a esse cenário, um dos personagens revela durante a trama que gostaria muito de uma "balinha", apelido dado no Brasil a uma droga ilícita chamada êxtase, fazendo com que o poder judiciário local interviesse.

O juiz da Vara da Infância e da Juventude da comarca de Joinville, Alexandre Morais da Rosa, além de proibir a entrada de menores nas salas, ordenou que fossem multados os cinemas que não cumprissem com o pedido em 500 reais para cada menor dentro das sessões. O argumento foi simples: "Não percebemos, mas as mensagens que são transmitidas em determinadas partes do filme influenciam e condicionam a criança a determinado comportamento", justifica Rosa.

Produzido e adequado para crianças de no mínimo 10 anos, Madagascar é apontado como um desenho que contém mensagens que induzem o público-alvo a certa conduta. Essas mensagens preocupam os especialistas nas relações entre cinema infantil e infância à medida que alegam não existir mais controle da dose de violência no cinema.

Na opinião de Gerard Jones, escritor e crítico dos EUA, o cinema voltado para o público jovem, próximo da puberdade, deve sim conter certa medida de agressão. "Para os adolescentes e crianças, certa dose de violência funciona como um rito de passagem", afirma Jones. Ele concorda, porém, que as mídias para crianças têm que abrir mão do modo como usam a agressão, pensando em uma forma de marketing e não em uma forma didática. Jones é autor do livro Brincando de matar monstros: Porque as crianças precisam de fantasia, videogames e violência de faz de conta, onde o autor cita exemplos concretos e conta experiências pessoais para analisar os efeitos da mídia nas crianças, para saber mais, leia o box no final da matéria.

Saber usar os meios de comunicação de massa tornou-se um imperativo da sociedade atual. Por exemplo, se a violência não estivesse presente nos veículos de mídia, a sociedade cresceria desacreditada e inocente da existência desse problema. Podemos tomar como referência para um uso pedagógico da representação da violência o desenhista de mangá Riusuke Hamamoto, que afirma: "No mangá (arte oriental voltada para crianças) a morte é tratada como parte da vida, sem muitas voltas. A criança aprende que a morte é uma coisa normal no mundo, assim como a violência. No anime (mangá animado) a agressão e a brutalidade aparecem não para instigar comportamentos violentos, e sim, para preparar a criança a lidar com um componente humano que existe e não pode ser escondido". Hamamoto registrou sua opinião no livro História do Japão - Origem, Desenvolvimento e Tradição de um País Milenar, onde conta que os desenhos orientais têm como tema fundamental a vida e tudo que há nela, geralmente partindo de uma ficção, demonstrando que desde pequenos todos precisam fazer escolhas e ter o controle de certas coisas, como diferenciar o certo do errado.

Desde pequenos todos têm a necessidade de saber sobre os dramas da vida cotidiana e para que esse aprendizado ocorra com embasamento e equilíbrio, o ser humano não pode se desligar do que acontece na sociedade. No desenho "Madagascar", o uso de uma ferramenta de marketing tem a pretensão de condicionar o público a determinado comportamento, sendo assim censurado. Mas se a mesma ferramenta estivesse sendo utilizada de uma forma didática, a repreensão não seria a melhor escolha. Nesse contexto o ditado "a diferença entre o remédio e o veneno é a dose", faz todo sentido.

O papel da violência

As crianças escolhem hoje seus heróis com mais cuidado do que imaginamos.De Pokémon até o rapper Eminen, os ícones da cultura pop não são apenas peças num jogo encarregado de praticar hipnose em massa na juventude.


Em vez de desqualificar o papel dos super heróis e do videogame, Gerard Jones convida em seu livro pais, professores e todos aqueles que se preocupam com as próximas gerações a tentar entender o enorme apelo dessas formas de entretenimento e a grande ajuda que podem proporcionar ao desenvolvimento infantil, de um modo saudável. Gerard Jones se expressa de modo incomparável para apresentar os bastidores da indústria do entretenimento, o gosto das crianças e adolescentes e o papel da violência no imaginário moderno.


Ricardo Antonio Pitorini

Estímulos da mídia apressam sexualidade infantil

A educação sexual se inicia dentro do convívio da família. Mesmo hoje, ainda existem famílias que preferem não tocar "neste tipo de assunto". Mas há também as que estimulam demasiadamente o diálogo sobre sexualidade. Essa falta ou excesso estimula a curiosidade e quando as dúvidas ficam guardadas, podem torná-los introspectivos, ou até mesmo levarem-nos a cometer erros por falta de esclarecimento. Os seres humanos já nascem por natureza com necessidades desde o início da vida. E a educação sexual na infância, segundo a psicóloga Nina Oliveira, vem junto com o emocional e a maturidade. Um exemplo é a amamentação. A criança sente fome, Quando a mãe sacia a fome do bebê, transmite-lhe uma sensação de acolhimento, de conforto e de calor humano.

Quando essa criança cresce passa a ver as representações do mundo na televisão, cinema, internet. Esses meios de comunicação podem ser os principais influenciadores do comportamento infantil. A mídia induz ao consumismo e a repetição estereótipos que se tornam referência para o ser em formação. Com isso promove uma diminuição da fase infantil, gerando uma erotização precoce. Segundo Fernanda Rocha, psicóloga, hoje as crianças recebem informações diversas e as absorvem rapidamente, sem poder de discernimento. Segundo dados do Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) mostra que a maior parte das internações de meninas de 10 a 14 anos ocorre em conseqüência de problemas com gravidez precoce e abortos mal-sucedidos. Somente no ano de 1998, foram prestados 32.000 atendimentos dessa natureza. A mídia tem uma responsabilidade ética em relação à criança, mas na televisão os efeitos negativos dessa falta de prioridade dos valores morais e sociais são, primeiro, a banalização da sexualidade, segundo a identificação da criança com modelos e jovens que atendam aos padrões estéticos, fazendo com que essas crianças, gostem, queiram e se comportem da mesma forma. Um exemplo foi a época em que se lançou o grupo É o Tchan e Calypso. Viam-se crianças dançarem, cantarem e se vestirem iguaizinhas ao que se passava na televisão. Para a criança isso pode trazer uma satisfação momentânea, pelo fato de ser o centro das atenções. Mas acaba sendo fisgada por um apelo sexual, que caminha na contramão da sua condição de ser criança.

Na publicidade infantil, segundo o publicitário Roberto Dutra, as propagandas destinadas às crianças e com crianças passam por uma série de restrições, quanto ao uso da imagem ou apelo. O Conar, órgão que fiscaliza e gerencia as normas estipuladas para a veiculação de campanhas publicitárias faz um trabalho de fiscalização das propagandas direcionadas o público infantil. Outro influenciador de comportamento é a moda infantil. Mães vislumbram em suas filhas o que elas gostariam de estar usando e vestindo, mas não podem. Projetam na criança a moda adulta, só que no tamanho infantil. Nos shoppings, mães e filhas trocam de papéis. Mães querem voltar a ser jovens e filhas querem crescer rapidamente. Nessa situação da qual a criança é alvo, os pais podem monitorar a evolução na educação sexual de suas crianças, buscando programas, brinquedos e roupas de acordo com a faixa etária de cada uma. Participando ativamente do que sua criança vê e escuta, podem ajudar a desenvolver a autocrítica, o senso do que é certo ou errado. Algumas atitudes ajudam no esclarecimento, na forma de raciocinar de acordo com a sua idade física e mental, contribuindo para um desenvolvimento psíquico mais saudável.
Suzana Gondim\

domingo, 1 de junho de 2008

Infância e tecnologia: Saber ou perigo?

Com a globalização a tecnologia perpassou as mais diferentes ciências tornando-se importante tanto para as nações quanto para os invíduos. É uma das responsáveis pelas grandes transformações econômicas, políticas, sociais e mesmo culturais. Quando falamos sobre responsabilidades tecnológicas, encontramos um labirinto de contradições e dúvidas. Ao nos depararmos com tecnologias modernas que entram e saem constantemente de nossas vidas podemos apronfudar nossa discussão sobre o que esperamos e o que vivemos.


Nicole Nallar tem quatro anos de idade e já aprendeu a manipular um equipamento que demanda certa habilidade e compreensão, o computador. Acessa sites da internet como se estivesse lidando com um de seus brinquedos favoritos. São programas cheios de informação que exigem conhecimento até mesmo de um adulto. A aproximação veio quando a mãe Elisabeth Nallar, professora universitária descobriu que muitos sítios infantis poderiam propiciar às crianças interação e desenvolvimento cultural. Embora não consiga esconder a satisfação que sente com desenvoltura da filha, Elizabeth sabe dos perigos que a internet pode trazer. “Não posso vigiá-la o tempo inteiro, mas sei que uma vez conectada a rede mundial de comunicação tudo é acessível. São riscos como pedofilia, seqüestro e por aí vai. Procuro bloquear os sites que considero perigosos, só assim me sinto segura em deixá-la usar o computador”.


Nicole pode não saber o que realmente significam os perigos citados pela mãe, mas sabe que algumas orientações de Elizabeth já eram conhecidas antes mesmo de usar o computador. “Minha mãe sempre me diz para não conversar com pessoas que não conheço. Ela diz também que se algum dia alguém pedir para falar comigo pelo computador devo chamá-la imediatamente.” Quando pergunto à menina sobre o que costuma acessar ela responde: “Gosto de brincar no computador com os desenhos que vejo na televisão.”


Para a psicóloga Odila Zaffalon, a preocupação que Elizabeth tem com os conteúdos acessados por Nicole de fato é imprescindível. Mas explica que bloquear sites não é a forma mais adequada de proteger os filhos dos perigos da internet. “É preciso fazê-lo entender as conseqüências que a internet pode causar, e não simplesmente proibir o acesso. Existem muitos conteúdos infantis que são bons. Há também a questão da interatividade que alguns sites oferecem às crianças. Discovery Kids, por exemplo, é um canal de televisão que possui sinal fechado, entretanto, grande parte da programação fica disponível no site da empresa. Há também sites nacionais, como sítio do pica-pau-amarelo, TV Globinho entre outros.”


Muitos pais acreditam que quanto mais cedo é o contato da criança com a tecnologia, mais cedo estimulam seu desenvolvimento intelectual, conforme os escritores Alison Armstrong e Charles Casement no livro “a criança e a máquina”. No livro os autores relatam em sua pesquisa a opinião de um dos maiores visionários do uso da tecnologia na educação, o sul-africano Seymour Papert. Papert já defendia, durante a década de 60, que todas as crianças deveriam ter um computador em suas casas. E foi mais além, ao dizer que o primeiro contado de uma criança com a tecnologia era como as primeras falas no início da vida. “A fala faz parte da paisagem natural das crianças e as crianças aprendem a falar naturalmente, comunicando-se com seus pais e com os outros familiares. Tornemos os computadores uma parte do ambiente natural das crianças. E ela usará a oportunidade que eles ofereceram para explorar e aprender”, assinala Papert. Ainda de acordo com os escritores Alison e Charles, Papert acreditava que o aprendizado natural da criança com a tecnologia tornaria grande parte da educação formal desnecessária. Entretanto, um estudo realizado durante um ano em Ontário, no Canadá, mostrou que crianças da segunda série do ensino fundamental ficavam mais lentas e aborrecidas enquanto trabalhavam sozinhas nos computadores.


Para a psicólga Odila, a opinião de Seymor não pode calcar-ser apenas em simplicar o aprendizado. Odila considera importante que a criança possa ambientar-se sozinha com a tecnologia, mas acredita que os primeiros passos pertencem aos adultos. “O ‘descobrir’ da criança com equipamentos tecnológicos precisa da ajuda dos pais. Não em manusear, mas na essência do que a criança passará a ver daquele momento em diante. A discussão sobre os perigos e perspectivas da tecnologia, em se tratando do acesso na infância, ainda é escassa. O maniqueísmo sobre a tecnologia é um assunto que sempre terá os dois momentos. Se por um lado você tem o problema de mães como Elizabeth, por outro você encontra um universo de informação e conhecimento que são extremamente importantes para o processo de inserção da criança num mundo global, conclui a psicóloga.”

Raquel Pallas