segunda-feira, 2 de junho de 2008

Infância para Crianças

Religião, sexualidade, comunicação,
tecnologia e inclusão. Comum a esses temas?

A infância, aqui tratada como protagonista dessa relação



Criança-Objeto: uma herança histórica

O futuro nunca esteve tão presente na pauta do dia. Mudanças climáticas, avanços tecnológicos, mudanças nas relações afetivas, a infância... A infância? Como sempre a infância é debatida como o futuro dos povos, o amanhã da humanidade. Discutir sobre as crianças sem aquela nostalgia que temos do passado e muito menos discuti-las como responsáveis pelo futuro parece ser ainda um grande desafio. Esse desafio foi proposto e aceito pelos alunos do Projeto Experimental Impresso do primeiro semestre de 2008, na elaboração do primeiro jornal-laboratório Fato & Versão deste ano, dedicado aos desafios e perspectivas da infância no terceiro milênio.


O primeiro passo foi promover um debate sobre os impactos das mudanças sociais sobre a infância, com destaque para a tecnologia, a violência e a sexualidade na infância. Participaram os professores Jaci Rocha, teólogo e antropólogo; Luciano Bitencourt, jornalista e coordenador do Curso de Comunicação; a professora Marci Filete Martins, lingüista e professora de Mestrado em Ciências da Linguagem e a fonoaudióloga do Hospital Universitário Luciana Zerbini, todos docentes da Unisul. O interesse em tratar a infância, ou como nostálgico passado ou como amedrontante futuro, segundo o professor Jaci é resultado de milhares de anos de uma educação que menospreza as crianças.


Em Esparta e na Grécia antiga, as crianças eram criadas como objetos. Eram criadas para tornarem-se guerreiros, mas sem relação de afetividade nenhuma com seus país. Ainda antes, pelos códigos de Amurab crianças e animais tinham a mesma valia. Eram vendáveis e não sujeitos. Segundo o professor Jaci, que cita o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, essa relação criança-objeto só iria mudar quando Abraão disse aos deuses que ofereceria seu filho único e foi até o monte pra sacrificá-lo. E o Deus de Abraão, pela primeira vez na história do Mediterrâneo, rejeitou o sacrifício humano de uma criança que também era o filho primogênito. “Todo o Mediterrâneo transformou a criança em um objeto de sacrifício para os deuses. E o Kierkegaard diz que quando fez acontecer esse impacto no mundo mediterrâneo Abraão deu um salto qualitativo no respeito pela criança como sujeito histórico”, valoriza Jaci.


Essa relação opressiva ainda perdurou durante muito tempo. Mudanças mais importantes só ocorreriam no final da Segunda Guerra Mundial com a criação dos Direitos Humanos que, ainda assim, não tratavam a criança como protagonista desses direitos. Embora a psicologia de Freud já tratasse a criança como sujeito e não mais como objeto, somente em 1959 foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos da Infância. “Isso depois de muita luta, até com a Igreja Católica, segundo quem o indivíduo só se tornaria sujeito após o desenvolvimento da razão, ou seja, após os sete anos”, enfatiza Jaci.


No Brasil, a luta pelas crianças começou na década de 70, ainda não com o enfoque do protagonismo, mas na esteira de organizações que tratavam dos direitos dos excluídos. “Em 87, fui testemunha da vinda de dois ônibus que vinham do Rio Grande (RS), com destino a Brasília. Eles foram para a Assembléia Nacional Constituinte transportando representantes de meninos e meninas de rua e dos morros do sul do Brasil. Mais de 700 líderes de organizações foram votar na Constituinte para criar o Estatuto da Criança e do Adolescente”, relembra Jaci. Ele afirma ainda que essas atitudes é que deram o direito à criança de existir como sujeito. Não é muito difícil fazer essas movimentações. A repercussão desses movimentos só aparece na mídia por imposição, nunca por vontade própria dos “produtores de mídia”, conclui.



Tecnologia e Informação: Ferramentas do saber


A quantidade de informações que as crianças de hoje recebem todos os dias, são muito maiores do que em gerações anteriores. Isso, indiscutivelmente se deve ao avanço tecnológico que evolui a todo o momento. Porém professor Luciano Bitencourt alerta, que as tecnologias não mudam a todo o momento. Na verdade, são feitas apenas inovações como o aumento da velocidade, capacidade de armazenamento etc. Mudanças tecnológicas efetivas foram a criação do livro, do rádio, que foram mudanças contemporâneas em suas épocas. Hoje á existe uma pré-disposição à mudanças. Hoje qualquer nova tecnologia, por mais difícil que seja dominá-la, você entrega na mão de uma criança e ela saberá como funciona. Isso por que ela já está inserida nesse meio, de tecnologias que aparecem a todo o momento. “Então de um lado existem m mundo de informações que se atualizam a todo o momento e do outro lado um outro mundo repleto de meios (equipamentos) que se modernizam a todo o instante. E no meio disso a criança, que já está suscetível à mudanças”, acrescenta Luciano.


A relações e definições de tempo, lugar e espaço, segundo Luciano, já não têm mais como serem discutidas e analisadas de forma superficial. Tempo é um termo que perdeu sua importância, no sentido que as informações e tecnologias estão em constante mutação. Então o tempo só serve como definição da hora em que o evento ocorreu, mas, a informação estará disponível a qualquer momento e de forma segmentada. O mundo virtual fez com que as discussões envolvendo a definição de lugar sejam novamente revistas. O “mundo virtual”, é um paralelo do mundo real. O lugar que você ocupa na vida real pode ser diferente do ocupado no mundo virtual. O mesmo acontece com relação ao espaço. Hoje, as mudanças que ocorrem a todo instante fizeram com que a definição de espaço como propriedade esteja sumindo. Os espaços também estão tomando formas diferentes e com ele as pessoas convivem sempre com coisas passageiras temporárias . Então como discutir o lugar da infância em meio a tantas mudanças? “A infância te um espaço na mídia e os produtores de informações tem que discuti-la sem esses esteriótipos atuais. Dizer que vivemos no mundo melhor por que as coisas estão muito mais fáceis e disponíveis talvez não seja a forma mas correta de encarar essa questão”, afirma.



Sexo e Violência: A formação dos Sentidos


Em comparação a 50 anos atrás, hoje as crianças já têm muitos direitos conquistados. Porém, discute-se muito sobre o que será do futuro com a infância de hoje, que já mudaram as estruturas familiares, a escola perdeu credibilidade e a sexualidade é banalizada todos os dias na TV. Mais uma vez voltamos à responsabilidade do que produzimos para os adultos de amanhã. É essa análise que a professora Marci Fileti Martins faz da produção televisiva de hoje.


Analisando as produções realizadas no Brasil e nos Estados Unidos, Marci argumenta que os cenários por elas construídos formam a visão que as crianças terão dos indivíduos. As produções norte-americanas, recheadas de violência, sangue, armas e lutas contra o mal, servem para garantir a manutenção das idéias políticas, econômicas e ideológicas daquele país. “Assim, todo sujeito, todo cidadão norte-americano é potencialmente um soldado. Um guerreiro que precisa combater o mal que vem de fora, pois qualquer sujeito pode ser um inimigo, um criminoso, o bad guy!”, exemplifica Marci.


Já no Brasil, a imagem que precisamos manter passa bem longe dessa visão belicista norte-americana. A imagem que queremos passar é de um país sem pudores sexuais. Essa imagem de mulher-objeto estereotipada pela mídia brasileira, segundo Marci, serve para camuflar aspectos sociais negativos como a desigualdade econômica do país. “Desigualdade responsável pela violência e que podemos encontrar nos centros urbanos. De fato, a taxa de homicídios no Brasil, em 2007, foi de 27 mortes por 100 mil habitantes, contra 8 por 100 mil habitantes nos EUA, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Somos muito mais violentos que os norte-americanos. Assim poderíamos afirmar que a exploração do sexo nas novelas muito mais do que apresentar a identidade do país ‘caliente’, em que todos fazemos sexo sem traumas, sem depressão, seria mais um modo de nos afastarmos de um certo compromisso da sociedade da qual fazemos parte, relegando a violência e as tensões sociais à invisibilidade”, afirma.


As posições sociais e a imagem que formamos dos sujeitos são resultados do que vimos na infância. A for­ma­­ção de sentido junto com o processo histórico de coisificação da mulher e da bana­li­zação do sexo tornam esses pensa­mentos óbvios e naturais. Os valores, segun­do Marci, já estão prontos para serem assu­midos, e é o que as crianças fazem assim que começam a ver televisão. “Então as crianças, como sujeitos que são, ao serem interpeladas, ao começarem a ver TV, já vão produzir sentidos sobre violência, sexualidade e gênero a partir desses lugares prontos e óbvios.



Linguagem e Comunicação


Em contraponto, existem crianças que, apesar de terem acessos às tecnologias sofrem problemas por não conseguirem se comunicar da forma mais convencional, através da voz. A fonoaudióloga, Luciana Zerbini diz que essa crianças não conseguem se comunicar por que não são todas as pessoas que entendem a linguagem de sinais. “É importante que a criança seja adaptada o mais cedo possível para que ela passe a utilizar a comunicação oral e não a gestual.


Essa é a melhor forma de incluir essas pessoas na sociedade. Se a criança começar a ser tratada muito tarde aquele tempo que perdeu nos primeiro anos de vida vão atrasar o seu desenvolvimento. Ela terá que começar do zero, como um bebe”, justifica Luciana. Mas ela alerta ainda que a percepção dessas crianças é normal e ás vezes até mais aguçada do que o de uma criança normal. Elas, apesar de não ouvirem, sabem exatamente o que acontece à sua volta.A infância sempre teve seus medos e perspectivas. Hoje ao mesmo tempo que as tecnologias ampliam o conteúdo e a cultura das crianças também causam problemas como a diminuição das relações físicas dando para os adultos a sensação de que esse mundo está perdido e não há mais o que se possa fazer. Discutir a infância, do ponto de vista do que está sendo produzido para as crianças, é algo fundamental para que possamos entendê-las e torná-las pessoas melhores.


Miguel Jr.




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