quarta-feira, 4 de junho de 2008

A escola do século XXI

Ativa, esperta, aos oito anos Júlia Gabriela é uma criança que tem resposta para tudo, exceto para a questão que mais aflige sua mãe, que já tirou a filha do ensino público e colocou no privado: não consegue copiar toda a lição do quadro negro. Muitos pais perseguem a explicação para essa dificuldade, que parece estar na precariedade do sistema educacional, que não consegue acompanhar as mudanças em processo na sociedade.


A instituição escolar vive um período de instabilidade muito acentuado no início deste século. O avanço tecnológico, o surgimento de novas profissões e as transformações da sociedade estão provocando mudanças que vão alterar a formação da criança do século XXI. Assim, a instituição escola está sendo repensada como analisa o doutor em educação, Juares Thiesen. “Um modelo antigo de escola está morrendo e um novo ainda está nascendo. A instituição escolar vive um momento de transição”.

A escola é uma das instituições mais antigas do mundo, extremamente conservadora e a instituição que menos muda na história. O modelo atual de escola foi estruturado na Idade Média, e desde que surgiu serve para moldar as pessoas, pois transmite valores e princípios da sociedade.

Foi na virada do século passado que as regras, até então imutáveis da escola começaram a ser questionadas. Durante o século XX muitos pensadores questionaram o que estava posto entre eles Jean Piaget, Lev Vygotsky e Paulo Freire. A partir desses pensadores o ensino-aprendizagem, o currículo, a forma de avaliação, a estrutura escolar, dentre outras questões entraram na pauta das discussões pedagógicas.

Uma das principais mudanças que ocorreram foi a revisão do conceito de criança. Antes a criança era vista como um “projeto de gente”, um ser humano em desenvolvimento e moldado conforme a educação que recebia na escola. Hoje esse conceito caiu; a criança do século XXI é considerada um sujeito de direito e um sujeito por inteiro, racional e que pode tomar decisões. Essa mudança foi declarada na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989.

A realidade hoje vivida pela maioria das escolas, tanto públicas como privadas é diferente da tão pensada escola do século XXI. A Dra. em Educação: História, Política, Sociedade Maria Helena Michels aponta alguns dos problemas enfrentados pela instituição escola, dentre eles, o descompromisso do Governo Federal com o financiamento da educação e a formação do professor. Para Maria Helena há um descompasso nos valores passados para a criança. A função da família é dar uma educação de base, os valores morais e não formar conhecimento, contudo, a própria família não consegue mais transmitir os valores deixando essa função para a escola. A escola não consegue fazer o papel da família e exerce o seu com dificuldades.

O mundo contemporâneo é cada vez mais complexo e exige das pessoas constantes atualizações de conhecimentos. Nesse sentido, o currículo escolar precisa estar em sintonia com a sociedade em vez de esperar que ela mude para se atualizar. O aluno passa a ser o principal responsável pela aquisição de novos conhecimentos e não mais o professor. Cabe ao professor orientar, guiar e facilitar o ensino-aprendizagem, ser um parceiro do aluno na busca e na interpretação crítica da informação. O professor tem que estar em formação continuada para poder exercer o seu papel.

A escola, na Idade Média não foi projetada para as diferentes faixas etárias. Pode ainda ser atraente para a coletividade, vivência em grupo, mas não mais para a sala. A estudante do ensino médio, Estéfany Pereira, é um exemplo. Ela sente motivação para ir a escola, encontrar a galera e colocar o papo em dia, porém, não gosta de estar em sala de aula e ouvir os professores. Estéfany prefere ficar em casa na frente do computador a estar atrás de uma mesa escolar.

Vera Labes e Iris Weiduschat propuseram algumas condições fundamentais para a vida dos discentes no artigo intitulado “Repensar a escola: por mudanças pedagógicas humanizadoras na escola do século XXI”, escrito em 2004, como a valorização do indivíduo na coletividade em que vive e incentivo à autonomia, à criatividade, à solidariedade, ao respeito, à iniciativa, à participação e à cooperação. Essas condições oferecem ao aluno princípios para uma aprendizagem mais ampla dos conhecimentos desenvolvidos pelos professores e adquiridos em diversos meios.

A globalização está provocando uma mudança radical na organização dos espaços físicos das escolas, como Thiesen pontua a desterritorialização da escola, que torna qualquer espaço propício para a aprendizagem e troca de informação e multipolarização dos espaços. A educação a distância é o maior exemplo de desterritorialização da escola. Como descreve o especialista em projetos inovadores na educação presencial e a distância, José Manuel Moran, trata-se de um processo de ensino-aprendizagem mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente.

Pensadores da escola do século XXI propõem que a instituição escolar tem que enxergar o futuro, ser mais democrática, mais comprometida com a sociedade, ouvir as pessoas, pais e alunos, estar mais aberta à comunidade. Tem que integrar os conteúdos escolares à ciência e à tecnologia e manter os alunos envolvidos de forma consciente e participativa com o próprio processo de aprendizagem para torná-los cidadãos críticos.


A escola do futuro

Um bom exemplo de escola para o século XXI é a Escola do Futuro, desenvolvida pela Universidade de São Paulo e apontada pela ONU como um centro de referência educacional. A Escola do Futuro é um laboratório de pesquisa interdisciplinar da USP empenhado em desenvolver estratégias educacionais para preparar as futuras gerações com capacitações e conhecimentos apropriados às realidades tecnológicas e sócio-econômicas globais.

A Escola do Futuro promove atividades de ensino e aprendizagem presencial e à distância, através do uso de novas tecnologias de informação, novos métodos e materiais didáticos. Promove também o intercâmbio de idéias e experiências entre educadores e instituições educacionais. As iniciativas da Escola do Futuro têm como objetivo aperfeiçoar a educação ao ponto de alavancar o Brasil para um novo patamar de justiça social e oportunidades para o exercício pleno da cidadania.

Foi pensando na escola como um ambiente especialmente criado para a aprendizagem, rico em recursos, que possibilite ao aluno a construção do seu conhecimento seguindo o seu estilo individual de aprendizagem, e onde o professor passa a atuar como um guia, um mediador, que a Escola do Futuro projetou a Sala de Aula do Futuro.

Concebida dentro dos mais avançados conceitos de ergonomia e comunicação visual, a sala permite aos profissionais da educação vivenciar esse novo mundo tecnológico, com proveito de uma variedade de experiências intelectuais, motoras, sensoriais e afetivas.


Um modelo inovador

Imagine uma escola sem séries, ciclos, anos, turmas, testes e aulas. Pode parecer muito fora dos padrões conhecidos, mas esse modelo de escola existe há pelo menos duas décadas. A Escola da Ponte é uma escola pública de Portugal que tem um projeto educativo inovador, baseado na autonomia dos estudantes.

Cada estudante define suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa em grupo e individuais. Os alunos procuram os espaços educativos, lugares onde encontram pessoas e ferramentas disponíveis, para trabalhar e compartilhar seus conhecimentos dentro das diversas áreas de estudo, como a humanística por exemplo.

Como todo modelo inovador, a Escola da Ponte enfrenta grande resistência dentro de alguns setores do governo português e da comunidade. Porém, conta com o apoio dos pais que discutem com freqüência o modelo adotado pela escola para a educação dos filhos. A escola é baseada em três valores principais: a liberdade, a responsabilidade e a solidariedade.

Apesar de ter um sistema de ensino diferenciado a Escola da Ponte ainda possui espaços arquitetônicos tradicionais. Entretanto já existe um projeto, elaborado por 12 arquitetos ex-alunos, com outro conceito de espaço. O projeto inclui um centro da descoberta, onde o saber será compartilhado, pequenos nichos hexagonais, destinados aos pequenos grupos e às tarefas individuais, amplas avenidas, alguns cursos d’água, além de um lugar para cochilar. E as novas tecnologias da informação deverão estar espalhadas por todos os lados.



Leocádia Faria

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