“Buscar-me-eis e me achareis, quando me buscardes de todo coração!” Esse era o refrão da música de encerramento da reunião do Cerene, do dia 16 de junho de 2008, cantado em devoção, como se aqueles homens, cerca de 40, estivessem em transe. Em suas vozes a emoção era muito forte. Parecia que naquele momento eles estavam em comunhão com um ser superior. Em seus olhos existia uma pureza infinita, como se nunca tivessem cometido um pecado sequer. Eles estavam “limpos” de corpo e alma.
Músicas de conteúdo espiritual produz momentos de arte e paz
O Cerene, Centro de Recuperação Nova Esperança, segundo os próprios internos, é uma clínica diferente. No local, não existem portões, a internação só acontece com o consentimento do dependente químico e o tratamento é baseado na espiritualidade e na crença em um deus, mas não necessariamente em uma religião. Para os internos é por meio da aceitação de um ser superior que pode ocorrer a recuperação. Quando chegam ao Cerene muitos não acreditam em um deus, mas após algumas reuniões e cultos diários, passam a conceber a sua presença e acreditar que vem dele a salvação. Os internos contam que freqüentam igrejas, alguns a Católica, outros a Assembléia de Deus e outros ainda a recente Bola de Neve, quando vão visitar a família.
O tratamento no Cerene constiui-se de 12 passos, que devem ser seguidos pelos adictos em recuperação: 1º passo, admitir; 2º passo, acreditar, 3º passo- entregar, 4º passo - auto-avaliar, 5º passo confessar, 6º passo prontificar-se, 7º passo rogar, 8º passo relacionar, 9º passo reparar, 10º passo continuar, 11º passo melhorar, 12º passo transmitir. Não existe um tempo determinado para cada passo. A duração do tratamento depende da vontade de cada interno em evoluir nessa escala. Dividido em quatro fases, o tempo de internação dura seis meses: adesão, reencontros sócio-familiares, saídas com acompanhantes e saídas sem acompanhantes.
Dentro do centro, a coordenação permite apenas o uso de uma droga, o cigarro. Há um espaço destinado ao consumo, chamado “fumódromo”, que fica em uma parte mais alta do terreno para não incomodar os não fumantes. Logo abaixo do fumódromo existe uma área comum, onde há uma sala de jogos, com mesa de pingue-pongue e alguns computadores. A circulação dos internos dentro do centro só é permitida até as 21h30min, horário em que se recolhem aos quartos. Pela manhã a primeira tarefa é a arrumação da própria cama e ao longo do dia freqüentam reuniões de pequenos grupos, de acordo com o andamento das atividades terapêuticas. À noite todos participam da grande reunião, sempre antecedida e precedida pela entoação coletiva de músicas religiosas.
É por meio do diálogo, presente nas reuniões e durante todo o tratamento, que os internos do Cerene compartilham suas histórias de vida, aprendem a respeitar o próximo e a si mesmos como seres humanos. Também aprendem a compreender as limitações do corpo e da mente, superam a abdicação das drogas, reconstituem os laços familiares e o círculo de amizades. E a crença em um ser superior ensina os dependentes químicos a viver na condição de ex-drogados. Como relata Rogério: “Não posso mais deixar de me lembrar que eu sou um doente e que essa dependência me leva à morte. Porque eu já fui pra cadeia, já fui internado uma vez, e essa é a segunda vez e tem que ser pra sempre o NA (Narcóticos Anônimos) e deus”.
“A minha história se repete. A gente tá aqui porque a gente perdeu o controle das nossas vidas; a gente perdeu o controle da situação da droga. Mas no fim é tudo o mesmo. Só muda o personagem e a história é a mesma”. Assim um dos internos do centro resume sua história e a dos demais, como a perda do controle da vida, enfatizando a necessidade de encontrar a palavra de deus para voltar a viver. Outro interno deixa um recado: “Dependência química não é nenhum bicho de sete cabeças, todo mundo está exposto a isso aí”.
Leocádia Faria
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